Memórias-imagens do Boi do Piauí: 25 anos de contação na oralidade
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Lelia Gonzalez, em nova edição do livro "Festas populares no Brasil" (2024), nos conta que "a representação do boi
mítico, de sua morte e sua ressurreição constituem um tema universal, procedente de antigos cultos a divindades propiciadoras da fertilidade". O Boi de Ápis egípcio é o principal deles. Difundido na europa, através da Grécia e de Roma, se presentifica no folguedo brasileiro, recriado a partir de diversos componentes culturais, principalmente, pelos bantos africanos.
A imagem do Bumba-meu-boi começou a habitar o meu imaginário desde a infância quando eu e meu irmão Marcelo íamos passar férias no sítio da tia Ziroca (irma da minha avó materna), na comunidade São Gonçalo, localizada às margens do rio Parnaíba, no lado do Maranhão.
Nesse lugar tinha um Bumba-meu-boi que se apresentava todo ano, indo de casa em casa. Não lembro como se chamava, só sei que me encantava com o batuque dos tambores, as danças, cores, melodias, movimentos e indumentárias que acompanhavam o Boi.
Mais tarde, já professora e contadora de histórias, percebi que a dança do Bumba-meu-boi trazia com ela uma narrativa que podia ser contada também na oralidade. Foi assim que dei nome a essa história e a seus personagens e organizei o que eu via na encenação em forma de narrativa. Nascia assim o protótipo do que seria mais tarde a minha história O Boi do Piauí, em meados dos anos 80, década em que também nasciam minhas três primeiras filhas e eu criava uma livraria e clube de incentivo à leitura, o Crie e Conte.
Em 1996, eu, Cecília Mendes, Anna Miranda, Enes Gomes, Susana Gomes, Adriana Araújo e Garibaldi Ramos criamos o Grupo Teresinense de Contadores de Histórias, posteriormente, Grupo Cafundó de Contadores de Histórias, composto somente por mim e Anna Miranda, ano em que também nascia minha filha Tauana.
No ano 2000, surge um convite para apresentarmos as lendas do Piauí em São Paulo, num evento promovido pelo SESC - o Balaio Brasil- , o que exigiu que eu olhasse de maneira mais profissional para a minha história O Boi do Piauí, a fim de colocá-la no repertório.
Acrescentei na narrativa as melodias de bois daqui, recolhidas por Cecília Mendes, introduzi um Boizinho de fantoche para contracenar comigo (presente de Cecília Mendes), bem como um chapéu de fitas, um tambor, maracá e apito.
Assim, a história ficou como conto hoje, com todos esses adereços e a maneira performática de narrá-la, uma contação de histórias carregada de teatralidade.
Em 2015 o editor da editora Nova Aliança (PI), Leonardo Dias, me vê contando a história O Boi do Piauí na oralidade e me convida para colocá-la num livro impresso, do mesmo jeito que eu narrava na oralidade. Esse foi o início da minha carreira de escritora de livros literários para a infância.
Convidei a artista plástica LuRebordosa para ilustrar o livro, juntamente com Danilo Grillo. A dupla de artistas trouxeram para o livro seus olhares sensíveis para retratar o Bumba-meu-boi do Piauí também através da leitura imagética, reforçando o meu propósito de mostrar para as crianças piauienses e para todos os amantes da cultura popular que o Piauí também tinha Boi.
Dediquei o livro à piauienses ligados a cultura do Boi como: Elio Ferreira, José Rodrigues, Normando Silveira, Vagner Ribeiro, Alcides Valeriano e Cecilia Mendes. Com o livro e a contação da história, performaticamente, o Boi do Piauí andou por vários lugares do Piauí e do Brasil sendo contada em escolas, praças, feiras, abertura de eventos, aniversários, asilos, creches etc. Nesses 25 anos de existência já perdi a conta de quantas vezes contei essa história que encanta a todos por onde passa, independente da faixa-etária, gênero, raça ou etnia.
Em 2021 o livro ganhou sua 2° edição, pela mesma editora Nova Aliança (PI), trazendo como novidade um QR Code, localizado na contracapa, para que os leitores possam ouvir as músicas da história, cantadas por mim e por Tauana Queiroz, que se encontram hospedadas no meu canal no YouTube.
No ano em que O Boi do Piauí completa 25 anos de contação na oralidade ( da maneira como é contada hoje) e 10 anos de livro impresso, a história continua agradando às várias gerações e chegou até o continente africano, mais particularmente a Maputo, capital de Moçambique, quando lá estive em evento literário, em junho deste ano e tive o prazer de contá-la na abertura do evento Mostra Brasil-Moçambique, Conexão Piauí-Maputo, para professores, intelectuais e artistas, bem como para crianças moçambicanas, em visita à escolas, onde também deixei exemplares da minha obra, na intenção de estreitar laços interculturais.
Não tenho dúvidas de que o meu livro O Boi do Piauí é o carro chefe das minhas histórias - responsável por abrir um portal mágico de encantamento para as outras -, com a beleza de sua linguagem repleta de poesia, a força que gira em torno de seu enredo e a performance criada para contá-la.
Todo esse carisma fez com que eu tomasse essa história para dar nome a um projeto literário de divulgação dos meus livros, pelo interior do Piauí, através da contação de histórias e oficina de sensibilização de mediadores da leitura, para professores, intitulada: O Boi do Piauí pede passagem para apresentar a produção literária de Márcia Evelin.
Poucos sabem que o Boizinho de fantoche que utilizo para contar a história O Boi do Piauí foi presente da Fada-madrinha Cecília Mendes - feito por ela mesma - há 25 anos, para minha participação no Balaio Brasil/ SESC, em São Paulo.
Recentemente, a perda de um dos chifres do Boizinho, em cortejo junino, me levou a procurá-la para saber como restaurar seu chifre. O resultado foi a confecção de um novo Boizinho pelas mãos habilidosas dessa artesã da palavra e das outras artes, para minha alegria.
O meu desejo é que esse novo Boi ganhe asas e possa voar e encantar mais corações, levando junto com ele sua história, canções, cores, alegria, tradição e ancestralidade por pelo menos mais 25 anos. Que assim seja!.
Por Márcia Evelin
O novo fantoche do Boi do Piauí: para mais 25 anos
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