Diálogo com a poesia: Cora Coralina, doceira das palavras

                                   


Caros leitores!


Na série Diálogo com a Poesia pretendo trazer a cena poetas da literatura brasileira, relatando breves informações sobre sua vida (com o teor de uma boa prosa) e escolhendo de dois a quatro poemas para exemplificar seu estilo literário.

Inicio a Série com a poeta Cora Coralina, que na verdade se chamava Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, moradora da velha casa sobre a ponte do Rio Vermelho, na pequena e singela Goiás Velho, uma mulher que carregou consigo a simplicidade, que tive a honra de conhecer pessoalmente no início da década de 80, quando morava em Brasília e fui visitar sua cidade natal.  Resolvi escolhê-la para ser a primeira poeta a ser revisitada por mim, na série, Diálogo com a poesia, para sentir o gosto de saborear seus poemas como os deliciosos doces que ela mesma preparava. Além do mais, ela tem uma semelhança física com minha avó Didi, que também amava fazer doces. E me veio na lembrança seus conselhos-força em Aninha e suas pedras:



           

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras                                              
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Fico a pensar como uma mulher nascida no final do século 19, tendo apenas o 3º ano do antigo primário foi capaz de vencer valores de subalternidade feminina da época, usando como arma a palavra poética, uma escrita carregada de positividade diante da vida, a exemplo do poema Ofertas de Aninha, que nos cabe tão bem em dias de hoje:

Eu sou aquela mulher
a quem o tempo
muito ensinou.
Ensinou a amar a vida.
Não desistir da luta.
Recomeçar na derrota.
Renunciar a palavras e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos.
Ser otimista.
Creio numa força imanente
que vai ligando a família humana
numa corrente luminosa
de fraternidade universal.
Creio na solidariedade humana.
Creio na superação dos erros
e angústias do presente.
Acredito nos moços.
Exalto sua confiança,
generosidade e idealismo.
Creio nos milagres da ciência
e na descoberta de uma profilaxia
futura dos erros e violências
do presente.
Aprendi que mais vale lutar
do que recolher dinheiro fácil.
Antes acreditar do que duvidar.

Cora Coralina é reconhecida como uma das grandes vozes femininas da poesia brasileira. Seu primeiro livro "Poemas dos Becos de Goíás e Estórias Mais", publicado em 1965, pela Editora José Olympio foi responsável por sua aproximação com o poeta Carlos Drummond de Andrade, que lhe introduziu no cenário literário da época, embora só tenha atingido o se apogeu literário com mais de 70 anos de idade. Cora deixa para a literatura brasileira uma poesia atemporal feita de doces afetos, que sobrevive atravessando gerações. E para finalizar a conversa trago Considerações de Aninha:

Melhor do que a criatura,
fez o criador a criação.
A criatura é limitada.
O tempo, o espaço,
normas e costumes.
Erros e acertos.
A criação é ilimitada.
Excede o tempo e o meio.
Projeta-se no Cosmos.

 

       
                          

Doce Cora, para sempre! (1889 - 1985).

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