“Eu cheguei agora, a todos eu vim saudar, trazendo meu lindo amante para ao povo apresentar....”

É com esse mote da cultura popular que o brincante, narrador da história “O Boi do Piauí” (2015), de autoria de Márcia Evelin, publicado pela editora Nova Aliança (PI), com ilustrações de LuRebordosa e Danilo Grilo, pede passagem para a entrada do Bumba meu Boi no imaginário do leitor. A anunciação da chegada do Boi, personagem protagonista da trama, funciona como um pacto ficcional com a intenção de fisgar o leitor para dentro da história.
A origem da manifestação cultural do Bumba Meu Boi no Piauí está ligada a colonização do estado que se deu do interior para o litoral, quando os grandes fazendeiros pernambucanos “tangiam” seu gado e conquistavam terras piauienses, tendo sido passada de geração a geração. O tempo da narrativa é mostrado, explicitamente, no início do enredo, quando o narrador, alguém que mora no lugar, diz: “No tempo da colonização do Piauí, existiam por aqui muitos fazendeiros, com muitas terras e muitos bois...”(p.10), o que remete o leitor a todo um cenário físico, cultural e socioeconômico da época, também representado na obra por expressões do tipo “meu amo”, termo utilizado pelos empregados para se referir ao patrão.
O livro possibilita, de forma lúdica, rememorar elementos característicos da história da colonização do Piauí, bem como, da estrutura social, etnias formadoras do povo brasileiro (branco, negro e índio), dentre tantas outras temáticas, fazendo uso de linguagem coloquial, própria da oralidade. A existência de palavras e expressões populares e/ou regionais como “mortinho da silva” e “arear”, só para citar algumas, intercaladas com melodias do Boi, cantadas pelo povo (tradição oral), torna o texto híbrido, um livro “objeto novo”, para usar a terminologia empregada por Lúcia Pimentel Góes, quando se refere aos livros da contemporaneidade, que concentram várias linguagens.
A narrativa composta de textos curtos e discurso direto é excelente para crianças que estão iniciando o hábito da leitura podendo ser lida, contada em voz alta ou oralizada, em performance, com o uso de instrumentos musicais e adereços, por algum mediador da leitura ou contador de histórias, que podem acompanhar a prosódia própria dos cantadores populares, concretizando a intenção da autora de fazer a narrativa, então impressa, retornar a oralidade.
O texto dialoga com o leitor o tempo todo, fazendo-o interagir e sentir-se parte da história, a exemplo de quando o Nego Chico e Seu Gumercindo procuram o culpado da morte do boi ou um doutor para curar o boi, além da história ter um final aberto, com possibilidade de continuação do enredo: “O final da história fica por conta da imaginação de cada um...”(p.45).
            As ilustrações do livro transcendem o texto escrito, por falarem sozinhas, estando situadas entre o plano real e o ficcional, num entrelugar da imaginação, onde tudo pode acontecer inclusive o Bumba meu Boi, existir sem a presença de um brincante que o conduza, dando a ideia de ser um Boi voador. Além disso, não trazem traços de discriminação racial, apontando para a união e irmandade entre os personagens, como quando o Nego Chico sai abraçado ao fazendeiro à procura de uma solução para o renascimento de seu mimo.
            As cores e técnicas utilizadas pelos ilustradores também permitem uma leitura significativa e intersemiótica da obra, a exemplo: o Boi perde a cor quando morre; a subida do Boi ao morrer, simulando sua ressurreição, e ganhando as cores de volta com o fundo laranja; elementos estéticos que compõem as várias linguagens sugeridas, além da linguagem verbal.
            Quem disse que roubaram o Bumba Meu Boi do Piauí? A prova de que isso não é verdade encontra-se nesta história, adaptada da tradição oral. Nela, o Bumba Meu Boi, a Catirina, o Nego Chico e os outros personagens do enredo mostram que a narrativa continua fazendo parte do imaginário de muitos piauienses, como uma das maiores manifestações culturais do Estado.
Um livro para ler, contar, brincar, cantar e se deleitar, despertando a percepção estética e literária do leitor, indicado para crianças e adultos de todas as idades. Então é só abrir o livro e ser contagiado pelo urro do Boi: muuuuu.......







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